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O grão da voz em Shakespeare

Atualizado: 24 de fev. de 2021

Ser ou não ser, como dizer?

Fonte: UOL


Estudos da linguagem apontam que nós utilizamos, em média, cerca de 1.500 palavras do português brasileiro ao longo da vida.


Com este "arsenal", eu e você lemos jornais e revistas, narramos memórias, escrevemos bilhetes e e-mails, rondamos nossa própria alma, inventamos mentiras e discutimos as maravilhas e as misérias da vida. Criamos e povoamos o nosso mundo.


Já Willian Shakespeare (1564-1616), o pater familias da literatura mundial, utilizou incríveis 21 mil palavras diferentes na composição de sua obra monumental. Nada menos que 1.800 delas eram neologismos - palavras inventadas -, alguns ainda vivos na língua inglesa, passados mais de 400 anos.


Todo esse arsenal semântico, contudo, importará menos pelo volume do que pelo gênio universal que com ele foi inventado. Shakespeare, manejando vasto léxico com intimidade sobrenatural, deu vida a uma multidão de personagens que não raro nos parece mais real que nós mesmos. Para o crítico literário e escritor Harold Bloom, a força motriz da obra de Shakespeare está no fato de que as personagens, ao conversarem, falam de si para si mesmos tanto quanto falam ao outro. Uma autoescuta inédita então e que, além de representar uma nova forma da literatura, inaugurou a própria substância humana de que hoje somos feitos.


"No mais famoso de seus sete solilóquios, Hamlet ouve (por acaso?) a si mesmo contemplar a possibilidade de armar-se contra um mar de desventuras e dar-lhes fim tentando evitá-las. Todos nós, que defendemos interesses literários, herdamos a noção equivocada de Hamlet, relativa ao poder da mente do poeta diante de um mar, de um universo mortal. O que Shakespeare inventa, de modo supremo, por meio de Hamlet, é a afirmação interior de uma oposição àquilo que mais ameaça o sempre dinâmico espírito do eu. O estudo que Hamlet faz de si mesmo é algo absoluto, e reduz o que está fora do eu a um mar de desventuras. Sempre refletindo sobre as próprias palavras, como se fossem e não fossem ditas por ele mesmo, Hamlet torna-se teólogo da própria consciência [...]" anota Bloom.*


Hamlet, assim como Falstaff, é um artista supremo da autoescuta que determina toda a obra de Shakespeare. E, por acaso, a autoescuta não constitui propriamente a invenção do humano em que nos reconhecemos hoje?

"Das coisas humanas que podem nos assombrar, vem a força do verbo em primeiro lugar." Raduan Nassar

Por: Lelo de Brito

*Fonte: Harold Bloom. Gênio: os 100 autores mais criativos da história da literatura. Trad: José Roberto O'Shea. Ed. Objetiva, 2003.


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